Homenagem ao Professor Rinaldo Cardoso Ferreira
Esta canal tem o objetivo de homenagear Rinaldo Cardoso Ferreira, professor da Universidade de Pernambuco por longo tempo. Rinaldo tem um histórico de importante contibuição no movimento pela criação da UPE. Foi o articulador do movimento docente na UPE que resultou na criação da ADUFESP, hoje ADUPE.
sexta-feira, 22 de novembro de 2024
Rinaldo Cardoso Ferreira: líder, engajado e amigo
por Ricardo de Almeida*
Comecei a conviver com Rinaldo no longínquo ano de 1980. Na ocasião, ele era o coordenador do Centro de Pós-graduação, Pesquisa e Extensão da Faculdade de Ciências da Administração de Pernambuco, pertencente à Fundação de Ensino Superior de Pernambuco (FCAP/FESP), hoje Universidade de Pernambuco (UPE).
Sob seu comando, a pós-graduação da FCAP já era reconhecida pela qualidade dos seus cursos. Mas era preciso desenvolver a Pesquisa e a Extensão para consolidar o potencial técnico e científico da Faculdade.
Eu e Sérgio Buarque fomos convidados para dividir essa tarefa com ele. Sérgio assumiu a Pesquisa e a Extensão ficou sob minha responsabilidade, tudo com a supervisão de Rinaldo.
Para enfrentar o desafio de tornar a FCAP uma instituição relevante e socialmente legitimada era preciso trazer para o centro da Instituição os problemas reais da sociedade.
Estruturamos a Extensão em três grandes eixos: Extensão Universitária, Extensão Cultural e Assistência Técnica.
Na Extensão Universitária desenvolvemos um conjunto de seminários, sendo um dos mais relevantes o “Seminário Internacional sobre Disparidade Regional” quando reunimos durante cinco dias, 24 especialistas do Brasil e da Itália para fazer um estudo comparativo entre o Nordeste do Brasil e o Mezzogiorno da Itália. Também nessa área, realizamos várias publicações e cursos de curta duração com os melhores quadros do Brasil e do exterior. Para isso, fizemos parcerias com instituições da França, da Itália, da Alemanha e da Venezuela por exemplo.
Na Extensão Cultural um bom exemplo foram as exibições de cinema, sempre seguidas de debates. Entre tantos filmes pessoalmente selecionados por nós, destaco “Tempos Modernos”, de Charlie Chaplin, cuja exibição foi seguida de um debate sobre as mudanças nos processos de trabalho decorrentes da evolução tecnológica.
No campo da Assistência Técnica, mobilizamos um conjunto de estudantes do nosso quadro e experientes profissionais do mercado, e desenvolvemos dezenas de trabalhos de consultoria para instituições públicas e privadas.
Fico feliz de, ao lado de Rinaldo e de outros dedicados docentes e técnicos, ter contribuído para a história e para o prestígio da FCAP.
Mas Rinaldo não era só FCAP. Em 1986, Jarbas Vasconcelos foi o primeiro prefeito eleito do Recife pelo voto popular, depois do obscurantismo do Regime Militar. E Rinaldo foi convocado para a Diretoria de Administração e Finanças da então Empresa de Urbanização do Recife (URB), junto com o engenheiro Jaime Gusmão, que assumiu a presidência daquela empresa pública tão importante para a cidade.
Também aí, tive o privilégio de servir junto com ele, e coordenei um grande processo de adequação e planejamento estratégico da instituição.
Toda essa jornada profissional nos fez desenvolver uma amizade pessoal. Durante anos, cultivamos o hábito de pelo menos um “almoço de fim de ano”, sempre regado com boa conversa e esperança de dias melhores.
Esse é o Rinaldo com quem convivi: líder, engajado e amigo.
Descanse em paz!
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Rinaldo Cardoso Ferreira, uma pessoa especial
Rinaldo Cardoso Ferreira, uma pessoa especial
Por Mércia Santos
É com imensa saudade que hoje escrevo esse texto, para
homenagear meu sogro, Professor Rinaldo Cardoso Ferreira, que recebeu outras
homenagens em vida e fez sua passagem em 24 de junho de 2024.
Nos reunimos nessa celebração para lembrar e valorizar essa
pessoa tão especial. Quem amamos sempre estará em nossos corações, independente
da presença física. Este é um momento de grande emoção, de olhar para trás e
refletir sobre todo convívio, momentos, afeto e amor recebidos, e o aprendizado
ao longo dessa jornada.
Ainda lembro o dia que conheci Prof. Rinaldo Cardoso, ou Sr.
Rinaldo como eu o chamava. Nesse dia já senti a pessoa atenciosa, afetuosa,
carinhosa, educada e um pai amoroso que era.
Dividimos ao longo desses 30 anos de convivência alguns
amores muito especiais, por Rinaldo, Paula, pelo querido Santa Cruz e pela
universidade pública.
Ao longo desses anos, aprendi com ele um pouco sobre
política, nacional e internacional. Também sobre a importância da educação na
mudança da vida das pessoas e das pessoas que contribuíram para construção de
uma história de lutas e consequentes mudanças na vida da sociedade.
Aproveito este momento para agradecer a todos aqueles que valorizam
e reconhecem toda dedicação de Sr. Rinaldo ao trabalho e as lutas da
Universidade de Pernambuco (UPE), notadamente ao trabalho do Sindicato de
Professores (ADUPE) desta instituição. Agradeço imensamente a todos que
estiveram ao lado dele nessas lutas.
Estou segura de que o legado dele contribuiu para formação de muitos
profissionais, desde os professores e funcionários da UFPE e ADUPE, até a
família, amigos e colegas de turma.
Por fim, agradeço a oportunidade de ter convivido com Sr.
Rinaldo e me sinto muito privilegiada de ter recebido tanto amor, juntamente
com minha filha Paula e meu esposo Rinaldo Luiz.
Com amor e saudades.
Mais informações »Rinaldo Cardoso: Exemplar Mestre Agregador
Por Mauro Ferreira Lima
Não me foi difícil escrever sobre nosso inesquecível colega e amigo Rinaldo. Tudo nele era tão explícito que, o que tenho de recordações da minha convivência com este profissional e amigo, aqui me flui fortemente.
Seu semblante transmitia sempre uma leve e perene aura de
tranquilidade, paz e serenidade.
Rinaldo foi uma pessoa grandiosa e marcante até pela sua
sobriedade. Leitor Voraz, acumulou um universo de conhecimentos amplos e
plurais que partilhava prazerosamente com colegas e amigos do seu ampliado entorno.
Assim escrevo porque fiz parte desse seu profícuo e caloroso
entorno.
Face a isso, escrever sobre esse grande amigo e colega de
ensino superior, que já partiu, é um exercício de estímulo à minha memória
transbordante de profunda saudade.
Ele não era apenas uma presença edificante nas salas de
aulas. Nos corredores da Faculdade de Administração da UPE era sempre prazeroso
encontrá-lo.
Era um companheiro de jornada sempre disposto a chegar junto
aos que o cercavam. Compartilhou sempre a sólida base cultural que acumulou
durante anos e anos de incursão e estada no vasto e complexo campo do conhecimento.
Carregava consigo uma formidável e única sabedoria, não
apenas obtida nas centenas e centenas de livros que teve acesso, mas na
vivência de um cotidiano pleno de ensinamentos.
Era aprendiz contumaz e encarava a vida como fonte de
solidificação e avanço deste seu característico traço de personalidade.
Seus gestos de solidariedade para os que com ele conviveram,
era um traço explícito do seu modo de ser. Era o tipo de pessoa que se podia
contar para aliviar desafios e dramas pessoais, mas, também para desfrutar de constantes
momentos de alegrias e desconcentração no cotidiano universitário.
Lembrar dele traz à tona projetos desenvolvidos em conjunto
e horas de estudos de artigos e textos que selecionávamos para análise e
discussão.
Afinal, de cada episódio de estudo partilhado comemorávamos
as conquistas e os avanços obtidos. Reforçava, assim, seu dom de tornar os
momentos acadêmicos sempre mais leves e descontraídos.
Mesmo após sua partida, continua vivo nas estórias, nas
lembranças e no legado que deixou em cada um de nós. Seu impacto vai além do
que Conseguimos dele usufruir. Deixou uma marca nas nossas vidas e, por isso, será
sempre lembrado com carinho e gratidão.
Por último, aqui resumo, em apenas uma palavra, o que
Rinaldo representou para os que com ele conviveram: companheiro MAGNÂNIMO
! SEMPRE!!!
Mais informações »Rinaldo Cardoso Ferreira: professor, mestre e militante
Por Edval Cajá*
Epígrafe
Os senhores da terra e os senhores do capital sempre usarão seus privilégios
políticos na defesa e perpetuação de seus monopólios ... Conquistar o poder
político tornou-se, por tanto, o grande dever das classes trabalhadoras... Um
elemento para o sucesso elas possuem - são maioria; mas a maioria numérica só
pesa na balança se unificada pelo grupo e conduzida pelo conhecimento.
(Karl Marx - A doutrina da libertação da classe trabalhadora, Edições Manoel
Lisboa, Recife, 2019).
Rinaldo Cardoso Ferreira é recifense da gema, nasceu numa família proletária,
no dia 24 de maio de 1935, no bairro de São José, onde também nasceram o
Batutas de São José e o Galo da Madrugada, os mais tradicionais blocos de
carnaval do Recife. Enquanto seu pai dirigia caminhões de entrega da Souza
Cruz, por longas décadas, sua mãe dedicava-se ao penoso e invisível trabalho de
cuidar da casa e da família. Rinaldo casou-se em 1958, com Maria do Monte Sinai
Caraciolo Ferreira, dessa união nasceram Liliane, Rinaldo Luíz e Lígia. Em
1991, realizou seu segundo casamento com Carol (Maria Carolina Bezerra
Cavalcanti). Rinaldo foi historiador (1965) e economista (1971), as duas
graduações foram na renomada Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP),
retornando àquela instituição como professor de economia, em 1972, já um
professor de concepção marxista da história, chegando a exercer, inclusive, a
coordenação do departamento dos cursos de economia e administração.
Estrada da vida
Antes de se consagrar como professor universitário, ele também trabalhou no
Banco Nacional do Norte (BANORTE), na Texaco, Banco do Brasil, e lecionou
história em colégios do Recife.
Rinaldo concluiu seu mestrado, em 1986, na UFPB, com uma primorosa dissertação
“O Movimento de Cultura Popular de Recife - MCP - expressão educacional de uma
proposta política de mudanças”. Rinaldo queria compreender a efervescente
situação político-cultural na qual vivera a sua juventude, aqueles agitados e
esperançosos anos que antecederam o golpe militar fascista de 1º de abril de
1964.
Ele tinha uma verdadeira paixão por aquele ambiente propício para o despertar
de novas consciências, marcado pela ação dos governos municipais progressistas
de Pelópidas Silveira (1955-1959) e Miguel Arraes (1960-1963) e do governo do
Estado (31/01/63 a 02/04/1964) promovendo o Movimento de Cultura Popular (MCP),
o Teatro Popular do Nordeste (TPN), o Ateliê Coletivo, com aulas regulares,
incentivando as artes plásticas, a literatura, a música, a dança, o Cinema
Novo. Para isso, foram construídos prédios-cineteatro no centro da cidade e nos
maiores bairros, como Boa Vista, Casa Amarela, Afogados, entre outros, sempre
lotados com exibições, espetáculos, assembleias populares, ou congressos,
festivais e encontros locais e regionais, com esta motivação, tendo à frente,
as figuras históricas da cidade, como Anita Paes Barreto, Abelardo da Hora,
Germano Coelho, Paulo Rosas, Hermilo Borba Filho, Leda Alves, Iran Pereira,
Naide Teodósio, Josué de Castro, Paulo Freire e seu famoso método de
alfabetização e educação de adultos nos bairros populares de Recife.
Militância
Era comum Rinaldo se emocionar ao demonstrar a ideologia revolucionária dos
comunistas voltando a contagiar o movimento de massas no final dos anos 50 e
início dos anos 60, na cidade do Recife, como também em Jaboatão, Olinda, São
Lourenço da Mata, Palmares e Caruaru, especialmente de sua juventude, seus
intelectuais de formação marxista e políticos do campo da esquerda, como Amaro
Quintas, Waldomiro Cavalcanti, Manoel Correia de Andrade, Paulo Cavalcanti,
Miguel Arraes e Francisco Julião das Ligas Camponesas do Brasil, que
estimulavam seu povo, a orgulhar-se das tradições de rebeldia e insurreições de
seus ancestrais, desde Zumbi dos Palmares, passando por Gregório Bezerra, Amaro
Luiz de Carvalho, entre outros.
Numa rode de conversa sobre o comunismo científico e seus fundadores Karl Marx
e Friedrich Engels, no Centro Cultural Manoel Lisboa, há 30 anos atrás,
aproximadamente, Rinaldo nos falou, com um orgulho danado, de ter se tornado
comunista de forma natural. Como, assim, companheiro? Ele respondeu: “Ora, em
Recife, no início dos anos 60, foi grande o impacto da revolução cubana de 1º
de janeiro de 1959, a gigantesca desigualdade social reinante em Pernambuco e
muitos livros publicados, a preço popular, objetivando despertar a consciência
política dos jovens, dos trabalhadores, sobre a realidade social na qual se
vivia, como as coleções Romances do Povo e Cadernos do Povo, tendo alguns
destes chegado a vender cerca de um milhão de exemplares. Tudo isso tornava o
socialismo e o comunismo algo próximo de nós”.
Construção
Rinaldo foi se fazendo militante: “Ler A Concepção Materialista da História, de
George Plekhanov e a Contribuição à Crítica da Economia Política, de Marx, logo
ao chegar à universidade, significou uma redescoberta do mundo, da sociedade e
da possibilidade de transformá-la”. Assim ele se expressou, maravilhado com a
teoria marxista.
A sua longeva amizade com a direção do PCR e com o professor Waldomiro
Cavalcanti, na Universidade Católica (Unicap), o levou a estudar praticamente
toda a obra de Marx, especialmente O Capital. A sua consciência passou a exigir
coerência entre teoria e prática. Como transformar a sociedade capitalista em
sociedade socialista sem a organização e a militância da classe trabalhadora,
sem sua vinculação orgânica com a teoria e o movimento comunista? Estas grandes
indagações o levaram a envolver-se na luta concreta contra a ditadura militar e
pelo socialismo. Assim, procurou cuidadosamente aliar sua confortável atividade
profissional de professor universitário com a realização de tarefas da
resistência armada clandestina à ditadura. Dois exemplos concretos, relatados a
seguir, são suficientes para comprovar o tamanho do seu compromisso e de sua
capacidade. Ele tinha plena consciência do risco que corria, seja pela ameaça
de um flagrante da Polícia do Exército (PE), a patrulha de choque do Exército,
seja pela possibilidade de uma delação arrancada nas câmeras de torturas, no
que pese sua grande confiança na formação ideológica dos militantes do Partido
e na política de segurança do Partido, no caso de prisão
Estas linhas representam um tributo à memória do companheiro Rinaldo. Com elas,
pensando na publicação de um livreto, pelas edições Manoel Lisboa, iniciaremos
a coleta de testemunhos por escrito de amigos, colegas de magistério e
ex-alunos que queiram contribuir com a construção da memória histórica deste
combatente da luta pela derrubada da ditadura, pela conquista anistia, pela
punição dos torturadores e golpistas de 1964, pela liberdade e pelo socialismo.
Companheiro Rinaldo! Presente, agora e sempre!
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Rinaldo Cardoso deixou na Universidade de Pernambuco marcas de expressões que só quem tem compromisso com a dimensão ética, social e política consegue deixar
Por Maria Auxiliadora Leal Campos
Não sei
porque, tenho hábito de vincular meus sentimentos às experiências de pessoas
que conseguiram existir no seu verdadeiro sentido da palavra, o de sair de si.
Rinaldo Cardoso deixou na Universidade de Pernambuco marcas de expressões que
só quem tem compromisso com a dimensão ética, social e política consegue
deixar. É por essas marcas que mexem com os meus sentimentos e de muitas outras
pessoas que também foram tocadas por seu testemunho, que precisamos nos
empenhar em não deixar que sua existência seja esquecida e sua luta ignorada.
Há duas
formas de fazer memória de uma pessoa: uma é a nostálgica, a outra é memória
audaz que retoma o legado deixado e se revive para hoje. Em se tratando de
Rinaldo, cabe as duas formas nas nossas memórias, destacando a sua amorosidade,
tanto como amigo, quanto como militante.
Tenho
certeza que, muitos dos que fazem a UPE não conhecem sua trajetória, muito
menos as pessoas que se envolveram até transformar a antiga FESP na
Universidade de Pernambuco. Por isso, advogo a necessidade de se promover
meios, como este evento, que possibilitem, especialmente para aqueles que
entraram na instituição recentemente, conhecer para gostar e se motivar em
“vestir sua camisa” e dar continuidade ao processo de luta. Afinal, ainda temos
muito o que crescer.
No ano
de 1990, ainda quando FESP, Rinaldo procurou unificar os Professores, que,
naquele momento, atuavam em Unidades espalhadas no interior e na capital e
tinham formas de trabalho e salários diferenciados. Nessa luta, motivou-se em
criar e presidir a ADUFESP, considerando
que, concomitante à reorganização do sistema interno, precisava articular a
mobilização para junto ao Governo do Estado avançar para atingir a meta de
transformar a Fundação na primeira Universidade Pública de Pernambuco.
Em
1993, na Unidade de Garanhuns, foi discutido e formalizado o Projeto de
carreira dos Professores. Ou seja, havia preocupação em caminhar com a
reestruturação interna da FESP, no sentido de fazer avançar o processo político
para se tornar Universidade.
Em 1995, consolidado o processo de Universidade, a ADUFESP
transformou-se em ADUPE. A luta foi intensa em mobilizar as entidades
representativas da nova Universidade, daí foi organizado o Fórum UPE, do qual
integravam as representações dos segmentos dos Docentes, Servidores
Técnicos-Administrativos e alunos (ADUPE, SINDUPE e DCE) para discutir o
estatuto da UPE.
Diante de suas realizações, posso dizer que Rinaldo Cardoso
foi e continua sendo inspiração por meio de suas qualidades e de seus atos, que
continua transmitindo força, segurança e determinação que conseguem resistir
nas suas memórias. Essa capacidade de lidar com desafios, abalos e mudanças foi
fulcral para deixar as necessárias marcas na história da Universidade de
Pernambuco.
Auxiliadora Campos é docente do Campus UPE Mata Norte e foi presidente da Adupe
segunda-feira, 11 de novembro de 2024
Rinaldo, o criador de oportunidades
Prof. Sérgio Buarque
Existem certos momentos na vida em que determinados eventos podem abrir caminhos favoráveis ou, ao contrário, criar obstáculos que podem atrapalhar o nosso futuro. No meio destes eventos, encontramos também amigos que geram oportunidades que mudam as nossas trajetórias intelectuais e profissionais e estimulam o desenvolvimento pessoal. Eu tive muitos destes amigos que, na minha atribulada vida, ajudaram na abertura de oportunidades. Rinaldo Cardoso foi um dos amigos mais importantes na minha trajetória profissional em um momento muito particular da vida, quando acabava de chegar ao Recife de volta de quase sete anos de exílio. No primeiro ano da minha reinserção intelectual e profissional, trabalhei como editor internacional no Jornal do Commercio, porque na Alemanha tinha me tornado jornalista, e ajudei a fundar o Centro de Estudos e Pesquisas Josué de Castro, como um espaço de produção e reflexão intelectual sobre o Nordeste e o Brasil, porque tinha ambição de ser pesquisador e formulador de políticas.
No final de 1980, sai do
Jornal e não tinha conseguido financiamento para nenhuma pesquisa do Centro
Josué de Castro na minha área de interesse e atuação. Financeiramente me apoiava em Ester, minha mulher
que mais abriu meu destino no Brasil após o exílio, inclusive me levando a
fazer o mestrado de Sociologia. Neste momento, Rinaldo abriu as portas para a
entrada na Universidade quando me convidou para ser professor de economia na Faculdade
de Administração da antiga FESP (atual UPE), onde ele era professor e figura
influente e muito respeitada. Um gesto de enorme confiança, uma vez que estava,
há vários anos, afastado das teorias econômicas e nem sequer tinha o mestrado
concluído. Minha história acadêmica e profissional tinha sido bem caótica, mas
parece que Rinaldo vislumbrou neste caos um potencial e apostou seu prestígio
na indicação para o cargo de professor. Meu maior desafio naquele momento era
corresponder à confiança demonstrada por Rinaldo.
Como criador de
oportunidades, Rinaldo foi mais longe no meu envolvimento na FCAP, me encaminhando
para assumir a Coordenação de Pesquisa da Faculdade ao mesmo tempo em que levou
nosso amigo comum, Ricardo de Almeida, para a Coordenação de Extensão, formando
um trio afinado e complementar, Ricardo, o próprio Rinaldo e eu. Em pouco mais
de quatro anos, promovemos uma grande agitação intelectual na FCAP, avançando
na realização de pesquisas inovadoras, captando financiamento de instituições
nacionais e internacionais, e gerando estudos numa área muito nova no Brasil,
de Política de Ciência e Tecnologia. A Coordenação de Extensão complementava a
agitação com a realização de grandes eventos intelectuais, como o Seminário Internacional
sobre Disparidade Regional, e atraindo pesquisadores da Europa e da América
Latina além de brasileiros renomados, para apoiar a nossa produção e os debates.
Foi uma festa intelectual,
acadêmica e política, promovendo debates sobre temas atuais e relevantes. Numa
metáfora futebolística, podemos dizer que Ricardo era uma espécie de
centroavante, o cara que ia na linha de frente como o operador de resultados e
eu era um meio-campista que preparava as jogadas e alimentava o atacante. E
Rinaldo? Rinaldo era o capitão do time, a figura que apoiava as iniciativas
mais ousadas. E era também o mais político dos três. E Mesmo depois que, por
diversas razões, o trio se dissolveu, cada um seguindo caminhos diferentes,
Rinaldo continuou sendo o criador de oportunidades.
quarta-feira, 6 de novembro de 2024
Lembranças e aprendizados deixados pelo Professor Rinaldo Cardoso Ferreira
Por Bernadete Perez, Maurílio Pedrosa e Tiago Feitosa
Um processo de mudança pode sempre começar aqui e agora na defesa da Universidade pública, gratuita e de qualidade. As mudanças que precisamos na sociedade também é tarefa da Universidade, que não vai exercer sua função social com legitimidade e hegemonia se a vida, a saúde, a garantia dos direitos humanos, o bem estar social não forem plenamente exercidos. Essas ideias aprendemos enquanto estudantes e presidentes do Diretório Central de Estudantes Prof. Paulo Freire, da Universidade de Pernambuco - DCE-UPE, durante o convívio com Professor Rinaldo Cardoso na ADUPE. Atento às nossas posições, falas, ideias, solidário em todos os momentos - nunca tivemos no convívio em nossas três gestões do DCE nenhuma fala desrespeitosa, aumento do tom, gritos ou posturas autoritárias - teve uma relação com o movimento estudantil de coerência ético-política.
Professor
Rinaldo ouvia, atento, nossas falas e aprendemos com ele, na nossa relação de
parceria na ADUPE e com tantos professores de referência como Dôra, Itamar,
Veranice entre tantas e tantos, a nos questionar se a paridade no processo
eleitoral nunca seria possível, se estaríamos fadados à uma reforma
administrativa iniciada na gestão do governador Jarbas Vasconcelos que
desencadearia uma demissão em massa com claro objetivo de privatização da UPE
ou se o desinvestimento orçamentário e financeiro seriam inexoráveis. Juntos,
dissemos não! Fizemos passeatas gigantes com muita mobilização, potente
articulação política entre os diversos segmentos da comunidade universitária,
interinstitucional e com movimentos sociais organizados. Conseguimos a
gratuidade, a paridade, parar a reforma administrativa. Estávamos certos e a
UPE cresceu, ficou mais forte, ainda que aquém do que a comunidade
universitária e sociedade pernambucana mereçam. Mostramos que é possível
movimento solidário e coletivo em torno do comum, ainda que com lugares e
pessoas diferentes, nos juntamos em torno de eleições para diretores e reitores
progressistas, com compromisso político com a comunidade acadêmica e com a
sociedade mais justa. Defendemos juntos os hospitais universitários e o caráter
público e universal do SUS.
Professor
Rinaldo foi forte defensor da interiorização da Universidade, defendia levar
novos cursos, dinamizar e investir fortemente nas unidades no interior. Viu a
potência na interiorização da UPE e apontava a necessidade de fortalecer
institucionalmente. Foi pioneiro na organização do movimento docente e
articulou com movimento docente nacional, defendia a liderança da UPE diante
dos desafios nacionais e locais. Defendeu a democratização dos espaços
representativos da Universidade e foi um articulador dos três segmentos,
fazendo questão de incluir técnicos e estudantes nas pautas antes tomadas como
exclusivas ou dominadas por docentes, mas que acreditava na força da atuação
conjunta em torno de grandes temas em defesa da Universidade Pública. Sobre a
gratuidade, foi intransigente.
Aprendemos
que o debate sobre a mudança é mais que necessário e atual, para recuperarmos a
vontade dos indivíduos, grupos e coletividades, de maneira a compor sujeitos
para construir novos projetos. Projetos críticos e alternativos ao senso comum,
ao pessimismo, à descrença, à falta de investimentos públicos na educação, à
privatização de tudo na vida, da água, saneamento básico, escolas, rede de
saúde, praças públicas, modalidades de discursos e práticas atualmente
dominantes e hegemônicas no contexto atual. A UPE ainda não está protegida e
valorizada como a gente, ele, todas e todos queríamos, mas resistimos e insurgimos
na defesa cotidiana da educação pública e de qualidade.
Se apostamos
que as grandes transformações depende sempre do desejo, de uma vontade de
mudança, de alterar a realidade, de uma dimensão subjetiva juntamente com o
domínio de várias formas de ciência, de um projeto conscientemente produzido
vinculado ao exercício da razão, professor Rinaldo continua presente!
Se
acreditamos que é possível e desejável experimentar novos modos de dirigir
organizações, questionar os micropoderes nas instituições públicas, no hospital, nas
Universidades, nas gestões dos serviços negando o determinismo absoluto do
geral sobre o particular, negando a idealização de só ter sentido se for tudo
ao mesmo tempo, tampouco o pessimismo do nada, professor Rinaldo está presente!
Se buscamos
viver desejando com coeficientes maiores de liberdade, autonomia, justiça, democracia, saúde, solidariedade e prosseguimos enquanto sujeitos sociais, professor
Rinaldo está presente!
E ainda, na
vigência
real de todos esses impasses que temos enfrentado na política na gestão urbana,
na crise ambiental e civilizatória no Brasil e no mundo e alguém de nós acreditar na possibilidade de
mudanças, de reformas ou de revoluções com sentido humano e democrático, professor
Rinaldo estará presente!
Lamentamos
imensamente a perda e seguiremos na resistência criativa e potente do movimento coletivo, de reinvenção da vida,
da afirmação da solidariedade, do reencantamento com o concreto. O movimento é inacabado e permanece na Universidade de Pernambuco, na rede, nas
pessoas, noutros lugares, na possibilidade criada em gerar novas utopias e
conectando a educação, a formação e as políticas
públicas com todas as outras lutas na busca da democracia. As pessoas que
admiramos, que nos afetam e com quem partilhamos a vida nas alegrias,
tristezas, esperanças e riscos ficam gravadas como a imagem única em movimentos
que nunca se repetem, mas que deixam lembranças e apostas em torno do presente
e de um futuro cheio de utopias possíveis!
Professor Rinaldo Cardoso: presente!
*Bernadete Perez - gestão DCE 99/2000
*Maurílio Pedrosa - gestão DCE 97/98
*Tiago Feitosa - gestão DCE 95/96
(Ex-presidentes do Diretório Central dos Estudantes Prof. Paulo
Freire, da Universidade de Pernambuco)
Rinaldo Cardoso Ferreira: seu legado de lutas em defesa do ensino público e de qualidade é e sempre será inspiração
Por Ana Brito*
Quando, em 1982, ingressei no quadro de docentes do
Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas, lecionando a
disciplina de Gastroenterologia, tive a grata satisfação de fazer parte do
coletivo de professores das outras unidades educacionais da então Fundação de
Ensino Superior de Pernambuco (FESP), mantenedora de faculdades pré-existentes
no Estado. Foi nessa época que conheci o professor Rinaldo Cardoso Ferreira, da
Faculdade de Administração e de Direito, e uma das principais lideranças do
movimento em favor do fortalecimento e organização dos docentes. Ele foi
idealizador, nos anos 1980, da criação da Associação dos Docentes da FESP
(ADUFESP), posteriormente transformada em Seção Sindical dos Docentes da
Universidade de Pernambuco (ADUPE), sendo seu primeiro Presidente e tendo-a
dirigido em outras ocasiões. Sempre pautou sua luta em favor do ensino e da
docência, com espírito combativo e altruísta.
O professor Rinaldo também desempenhou um papel crucial e
pioneiro na luta pela criação da Universidade de Pernambuco (UPE), tornando-a a
primeira e, até o momento, única universidade pública estadual (Lei Estadual nº
10.518, de 29 de novembro de 1990). Também foi com sua liderança, a partir da
ADUFESP, que foi instituída a Carreira Docente na instituição. Hoje, a UPE é um
patrimônio da sociedade pernambucana e mantém a missão de contribuir para o
desenvolvimento sustentável do nosso Estado por meio do ensino, da pesquisa e
da extensão universitária. Importante lembrar, ainda, que a UPE tem no seu DNA
as digitais do saudoso amigo Rinaldo Cardoso, que se encantou no último dia 24
de junho de 2024.
Um colega cordial, um homem público democrata, um professor
competente e afeito ao diálogo. Assim, posso resumir o professor Rinaldo
Cardoso Ferreira. Acrescento, ainda, seu legado de lutas em defesa do ensino
público e de qualidade, inspirando, até hoje, pessoas que continuam atuando com
os ideais de igualdade e pela justiça social. Seu nome está inscrito na
História de Pernambuco. Descanse em paz, amigo!
Recife, 10 de julho de 2024
*Ana Brito, Profa Adjunta da FCM/UPE