sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Rinaldo Cardoso Ferreira: professor, mestre e militante

Por Edval Cajá*

Epígrafe

Os senhores da terra e os senhores do capital sempre usarão seus privilégios políticos na defesa e perpetuação de seus monopólios ... Conquistar o poder político tornou-se, por tanto, o grande dever das classes trabalhadoras... Um elemento para o sucesso elas possuem - são maioria; mas a maioria numérica só pesa na balança se unificada pelo grupo e conduzida pelo conhecimento.
(Karl Marx - A doutrina da libertação da classe trabalhadora, Edições Manoel Lisboa, Recife, 2019).

Rinaldo Cardoso Ferreira é recifense da gema, nasceu numa família proletária, no dia 24 de maio de 1935, no bairro de São José, onde também nasceram o Batutas de São José e o Galo da Madrugada, os mais tradicionais blocos de carnaval do Recife. Enquanto seu pai dirigia caminhões de entrega da Souza Cruz, por longas décadas, sua mãe dedicava-se ao penoso e invisível trabalho de cuidar da casa e da família. Rinaldo casou-se em 1958, com Maria do Monte Sinai Caraciolo Ferreira, dessa união nasceram Liliane, Rinaldo Luíz e Lígia. Em 1991, realizou seu segundo casamento com Carol (Maria Carolina Bezerra Cavalcanti). Rinaldo foi historiador (1965) e economista (1971), as duas graduações foram na renomada Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), retornando àquela instituição como professor de economia, em 1972, já um professor de concepção marxista da história, chegando a exercer, inclusive, a coordenação do departamento dos cursos de economia e administração.

Estrada da vida

Antes de se consagrar como professor universitário, ele também trabalhou no Banco Nacional do Norte (BANORTE), na Texaco, Banco do Brasil, e lecionou história em colégios do Recife.
Rinaldo concluiu seu mestrado, em 1986, na UFPB, com uma primorosa dissertação “O Movimento de Cultura Popular de Recife - MCP - expressão educacional de uma proposta política de mudanças”. Rinaldo queria compreender a efervescente situação político-cultural na qual vivera a sua juventude, aqueles agitados e esperançosos anos que antecederam o golpe militar fascista de 1º de abril de 1964.

Ele tinha uma verdadeira paixão por aquele ambiente propício para o despertar de novas consciências, marcado pela ação dos governos municipais progressistas de Pelópidas Silveira (1955-1959) e Miguel Arraes (1960-1963) e do governo do Estado (31/01/63 a 02/04/1964) promovendo o Movimento de Cultura Popular (MCP), o Teatro Popular do Nordeste (TPN), o Ateliê Coletivo, com aulas regulares, incentivando as artes plásticas, a literatura, a música, a dança, o Cinema Novo. Para isso, foram construídos prédios-cineteatro no centro da cidade e nos maiores bairros, como Boa Vista, Casa Amarela, Afogados, entre outros, sempre lotados com exibições, espetáculos, assembleias populares, ou congressos, festivais e encontros locais e regionais, com esta motivação, tendo à frente, as figuras históricas da cidade, como Anita Paes Barreto, Abelardo da Hora, Germano Coelho, Paulo Rosas, Hermilo Borba Filho, Leda Alves, Iran Pereira, Naide Teodósio, Josué de Castro, Paulo Freire e seu famoso método de alfabetização e educação de adultos nos bairros populares de Recife.

Militância

Era comum Rinaldo se emocionar ao demonstrar a ideologia revolucionária dos comunistas voltando a contagiar o movimento de massas no final dos anos 50 e início dos anos 60, na cidade do Recife, como também em Jaboatão, Olinda, São Lourenço da Mata, Palmares e Caruaru, especialmente de sua juventude, seus intelectuais de formação marxista e políticos do campo da esquerda, como Amaro Quintas, Waldomiro Cavalcanti, Manoel Correia de Andrade, Paulo Cavalcanti, Miguel Arraes e Francisco Julião das Ligas Camponesas do Brasil, que estimulavam seu povo, a orgulhar-se das tradições de rebeldia e insurreições de seus ancestrais, desde Zumbi dos Palmares, passando por Gregório Bezerra, Amaro Luiz de Carvalho, entre outros.

Numa rode de conversa sobre o comunismo científico e seus fundadores Karl Marx e Friedrich Engels, no Centro Cultural Manoel Lisboa, há 30 anos atrás, aproximadamente, Rinaldo nos falou, com um orgulho danado, de ter se tornado comunista de forma natural. Como, assim, companheiro? Ele respondeu: “Ora, em Recife, no início dos anos 60, foi grande o impacto da revolução cubana de 1º de janeiro de 1959, a gigantesca desigualdade social reinante em Pernambuco e muitos livros publicados, a preço popular, objetivando despertar a consciência política dos jovens, dos trabalhadores, sobre a realidade social na qual se vivia, como as coleções Romances do Povo e Cadernos do Povo, tendo alguns destes chegado a vender cerca de um milhão de exemplares. Tudo isso tornava o socialismo e o comunismo algo próximo de nós”.

Construção

Rinaldo foi se fazendo militante: “Ler A Concepção Materialista da História, de George Plekhanov e a Contribuição à Crítica da Economia Política, de Marx, logo ao chegar à universidade, significou uma redescoberta do mundo, da sociedade e da possibilidade de transformá-la”. Assim ele se expressou, maravilhado com a teoria marxista.

A sua longeva amizade com a direção do PCR e com o professor Waldomiro Cavalcanti, na Universidade Católica (Unicap), o levou a estudar praticamente toda a obra de Marx, especialmente O Capital. A sua consciência passou a exigir coerência entre teoria e prática. Como transformar a sociedade capitalista em sociedade socialista sem a organização e a militância da classe trabalhadora, sem sua vinculação orgânica com a teoria e o movimento comunista? Estas grandes indagações o levaram a envolver-se na luta concreta contra a ditadura militar e pelo socialismo. Assim, procurou cuidadosamente aliar sua confortável atividade profissional de professor universitário com a realização de tarefas da resistência armada clandestina à ditadura. Dois exemplos concretos, relatados a seguir, são suficientes para comprovar o tamanho do seu compromisso e de sua capacidade. Ele tinha plena consciência do risco que corria, seja pela ameaça de um flagrante da Polícia do Exército (PE), a patrulha de choque do Exército, seja pela possibilidade de uma delação arrancada nas câmeras de torturas, no que pese sua grande confiança na formação ideológica dos militantes do Partido e na política de segurança do Partido, no caso de prisão

 Tributo

Estas linhas representam um tributo à memória do companheiro Rinaldo. Com elas, pensando na publicação de um livreto, pelas edições Manoel Lisboa, iniciaremos a coleta de testemunhos por escrito de amigos, colegas de magistério e ex-alunos que queiram contribuir com a construção da memória histórica deste combatente da luta pela derrubada da ditadura, pela conquista anistia, pela punição dos torturadores e golpistas de 1964, pela liberdade e pelo socialismo.

Companheiro Rinaldo! Presente, agora e sempre!

*Edival Nunes Cajá foi membro da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Olinda e Recife, quando presidida por Dom Helder Câmara, foi preso político, é sociólogo, presidente do Centro Cultural Manoel Lisboa de Pernambuco, coordenador do Comitê Memória, Verdade, Justiça, Reparação e Democracia – (CMVJRD-PE) e membro do CC do PCR.

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